sábado, 29 de junho de 2013

"Holocausto Brasileiro. Genocídio: 60 mil mortos no maior hospício do Brasil"


Heitor Battaggia

Acabei de ler o livro acima (título do post), de Daniela Arbex (São Paulo/Geração Editorial; 2013). Recomendo.

Há muitos anos não lia uma obra que me impactasse tanto. Há momentos em que temos que largar o livro para que a angústia das histórias relatadas saia em forma de lágrimas. Já conhecia superficialmente a história de Colônia em Barbacena, mas não imaginava nem 1/10 das atrocidades que lá aconteciam. Parte delas num passado recente, muito recente.

Três pensamentos não saiam de minha cabeça durante a leitura. O primeiro sobre o psiquiatra Amílcar Lobo que teve seu registro médico cassado por atuar de forma indevida durante a ditadura. No caso de Barbacena, há torturas, castigos corporais, indução à morte, cárcere privado e toda sorte degradação humana patrocinada e supervisionada por médicos. Em Barbacena, somente médicos que denunciaram as barbaridades ali praticadas, e tentaram humanizar o tratamento aos pacientes, é que foram ameaçados de retaliação, inclusive com abertura de processos éticos no CFM.  

O segundo pensamento foi o projeto do Ato Médico recém aprovado no Senado e mandado à sanção da presidenta. Não sou médico, nem atuo na área de saúde, mas depois de ler o livro penso no enorme poder que essas corporações assumem no Brasil. A aprovação dessa Lei vai na contra-mão do movimento geral da democratização e centraliza poder numa categoria profissional.

O livro é repleto de fotografias e a quantidade de negros nessas imagens chama nossa atenção. A degradação das figuras ali retratadas nos remetem à pobreza, mas nada nos indica a situação daquelas tristes figuras antes de entrarem naquele inferno.

Também chama nossa atenção como que o tratamento dado àqueles condenados sem crime, sem acusação e sem chance de defesa, foi sendo considerado normal. A morte/assassinato de alguns (muitos?) não era considerada sequer como um acidente ou um caso excepcional. Fazia parte. A jornalista colhe depoimentos de pessoas que lá trabalharam durante décadas e assumiram a naturalização dos assassinatos. Era uma gente de ninguém, com quem ninguém se importava.

Há também os relatos de virtude, de gente que, remando contra a maré, resgatou, deu visibilidade e alguma dignidade a alguns sobreviventes mas, infelizmente, não chegaram a tempo de salvar os 60 mil mudos e invisíveis que pereceram no caminho.

Já há muitos anos acho que a sociedade brasileira é marcada pela injustiça, pela violência e pelo preconceito. Depois desse livro estou incorporando a perversidade a esse rol. Como é possível que durante 80 anos isso tenha ficado despercebido da sociedade brasileira, de toda a área médica e da comunidade de Barbacena? Em 1982 achávamos que éramos civilizados, Minas elegeu Tancredo Neves para governador e reelegeu Itamar Franco para o Senado. Isso era modernidade e, entretanto, atrás dos muros do manicômio, os assassinatos continuavam. Mas “aquela gente” nunca fez parte do povo brasileiro.

O terceiro pensamento foi a Comissão da Verdade instaurada para investigar violações dos direitos humanos no Brasil entre 1945 e 1988. Dela participam pessoas que admiro e que estão fazendo um trabalho correto e necessário, mas é interessante como a comissão continua restrita à violação dos direitos daqueles que conseguiram gritar.

As vítimas de Barbacena não têm voz. Ou será que não eram humanos?

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